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A review by bibilly
Nove Ensaios Dantescos & A Memória de Shakespeare by Jorge Luis Borges
informative
medium-paced
3.0
a quantidade de cenas citadas e descritas das quais não tenho memória é mais impressionante (porém, não surpreendente) que os ensaios em si. acho que gostei mesmo só de uns quatro ou cinco. A Memória de Shakespeare, ao contrário do que pensei, não é outra coleção de ensaios e sim de quatro contos. infelizmente, só o primeiro —em que Borges se coloca como protagonista duplo e recebe do seu eu futuro e suicida a previsão da escrita do conto enquanto o narra— me fascinou; amo qualquer pitada de metalinguagem. por algum motivo a narração de Os Tigres Azuis me lembrou Lovecraft, o que foi meio angustiante e tedioso, pois detesto praticamente tudo que li dele; no entanto, o final misterioso me lembrou que sou burra e deveria me poupar de qualquer crítica a autores de renome. também não acho que tenha entendido A Rosa de Paracelso completamente, mas, perto d'As Elegias de Duíno, que também li neste segundo semestre, qualquer simbologia obscura parece cristalina. quanto ao conto que dá título à pequena antologia, o potencial da sua premissa é completamente desperdiçado: andar por aí com as memórias de Shakespeare lutando por lugar na sua mente até começar a apagar sua própria identidade deveria ser uma viagem bem mais insana ou impactante, e esta não me marcou nem um pouco.
A afirmação "Um livro é as palavras que o compõem" corre o risco de parecer um axioma insípido. Mesmo assim, todos tendemos a acreditar que existe uma forma separável do fundo e que dez minutos de diálogo com Henry James nos revelariam o "verdadeiro" argumento de Outra Volta do Parafuso. Penso que talvez não seja verdade; penso que Dante não estava mais informado sobre Ugolino que o que está dito em seus tercetos. Schopenhauer declarou que o primeiro volume de sua obra capital consiste em um único pensamento, e que não encontrou modo mais breve de transmiti-lo. Dante, ao contrário, diria que tudo o que imaginou sobre Ugolino está nos debatidos tercetos.
No tempo real, na história, toda vez que um homem se vê diante de várias alternativas, opta por uma e elimina e perde as demais; o mesmo não acontece no tempo ambíguo da arte, semelhante ao da esperança e ao do esquecimento. Hamlet, nesse tempo, é são e é louco. Na treva de sua Torre da Fome, Ugolino devora e não devora os cadáveres amados, e essa ondulante imprecisão, essa incerteza, é a estranha matéria de que é feito. Assim, com duas possíveis agonias, sonhou-o Dante e assim o sonharão as gerações.