A review by graciosareis
Objecto Quase by José Saramago

5.0

Objecto Quase integra seis contos breves onde as personagens são, na sua maioria, “coisificadas”, ou melhor dizendo, os objectos são humanizados. Esta característica é evidente nos contos “Cadeira” e “Embargo”. Outros há em que a fantasia, o surreal, o absurdo tomam conta da história e deparamo-nos com uma “animalização” do homem. Em todos, é evidente o tom sarcástico e a crítica à sociedade capitalista, à necessidade do ser humano em possuir bens e à sua dependência.
Ao longo dos seis contos, o autor conduz-nos por caminhos diversos, e que recorrendo a situações surreais, retrata o pessimismo, a depressão, a dependência e a imperfeição do ser humano.
A escrita destes seis contos revela o poder de observação, a capacidade de esmiuçar factos, o sentido crítico e bem-humorado do autor. Os seus textos, apesar de curtos, são autênticos trabalhos literários: descrições detalhadas; metáforas espantosas; histórias criativas repletas de ironia e de intensidade.

Por exemplo, no primeiro conto, “Cadeira”, fica-se pela descrição detalhada e irónica da cadeira que foi atacada pelo bicho da madeira e que vai destruindo o interior da perna que fará cair o homem que nela se senta. Facilmente percebemos que o episódio relata a queda de Salazar. Trata-se se uma alegoria ao fim da ditadura e do sistema vigente. A cadeira representa o poder. Se esta se torna decrépita, insegura, então o poder está decadente e deve ser substituído. É notável a descrição do momento em que o homem se sentou na cadeira, se recostou e finalmente caiu. Por vezes, parece que o narrador se desvia do assunto, tecendo outras histórias, outros factos, mas se o faz é para tornar mais intensa e credível a descrição sem nunca perder o fio condutor da narrativa em curso.

Gostei de todos os contos, mas a minha preferência recai em “Coisas”, o quarto conto. Classificá-lo-ia como uma distopia. As pessoas são hierarquizadas por ordem alfabética (têm a letra desenhada na mão), de acordo com a sua posição social. Tudo é absurdo, as coisas começam a ter reacções humanas, começam a tomar consciência da sua situação: objectos (portas, jarros, marcos do correio, degraus,…) desaparecem misteriosamente, paredes e prédios desabam, relógios deixam de funcionar, sofás têm febre, pessoas ficam nuas, cidades inteiras desaparecem …
Saramago põe em destaque a paranoia individual, mas sobretudo a colectiva, ele anula toda a materialidade e põe a nu o homem para o confrontar com a sua existência, com a sociedade em que se insere e vive de acordo com o que lhe é ditado. O homem torna-se objecto perante a inoperância e tirania do poder. O conto termina com uma réstia de esperança, de mudança porque, afinal, há sempre alguém que luta pela diferença.

Nestes textos, como em toda a obra, Saramago é exímio na crítica social.